sábado, 26 de janeiro de 2008

Modelo Japonês de Produção

Breve análise sobre o toyotismo:
modelo japonês de produção

A crise do final dos anos 1960 e início de 1970, que se estende até os dias atuais, como afirma Antunes (1999) está relacionada, fundamentalmente, à crise da estrutura do capital, que na tentativa de recuperação de seu ciclo reprodutivo e resgate de seu processo de dominação, deflagra intensas transformações no próprio processo produtivo, pelas vias de novas formas de acumulação.
Nesse sentido um novo movimento político é criado quando bases da direita tomam para si os discursos que até então eram considerados de esquerda. Essa nova tendência é denominada por grupos que estudam o materialismo histórico, de Nova Direita. Embutidos nesse “novo” movimento político é possível verificar a existência de uma vertente conservadora e uma vertente neoliberal[1]. A Nova Direita e sua vertente neoliberal, amplamente divulgada, porém superficialmente discutida, são as formas encontradas para redefinir as bases do processo de acumulação capitalista.
Esse movimento político traz consigo postulados como, estado mínimo, livre iniciativa, consideram todas as atividades como mercadorias, inclusive a educação e ressaltam a incapacidade que a mesma apresenta de insuficiência quanto à produção de bens para o mercado.
As tentativas de resolver os problemas gerados pela crise do capitalismo, que fazem gerar esse movimento, são responsáveis por modificações importantes no campo do trabalho, como a introdução de novas tecnologias e aumento da exploração da classe operária.
A concorrência intercapitalista e a necessidade de marcar o domínio do controle das lutas sociais, oriundas do trabalho, através das transformações do modelo de produção fazem com que o mundo do trabalho sofra transformações em sua estrutura produtiva, sindical e política. Nos países de desenvolvimento tecnológico acelerado, a acumulação de capital se fortificou, as mudanças tecnológicas foram inseridas no mundo da produção fabril, provocando intensas modificações, e é possível afirmar que, “[...] a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser”.(Antunes, 1999, p. 15).
Harvey (1989) afirma que essas transformações surgem com a intensa recessão iniciada em 1973 quando a crise estrutural do capitalismo, gerada pela crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, faz com que o capital mergulhe num processo de reestruturação para restaurar o seu domínio societal. Nesse momento, instaura-se uma “guerra” entre os países considerados super potências, pela acumulação de capital, e a competitividade passa a ser a “arma” mais importante. O modelo de produção industrial fundamentado no princípio taylorista/fordista, de produção em massa, perde a exclusividade e iniciam tentativas para superá-lo. Nesse contexto assistimos a uma nova fase de expropriação da mão-de-obra, a chamada acumulação flexível - a partir do modelo de produção criado pelos japoneses, toyotismo - e junto com ela a degradação das condições de trabalho, dos direitos trabalhistas e, conseqüentemente, dos trabalhadores.
Ao término dos anos 60 a empresa japonesa Toyota já estava totalmente dentro desse novo modelo de produção flexível e o modelo era divulgado dentro e fora do Japão. Os princípios ideológicos e organizacionais desse modelo passaram a sustentar as práticas empresariais como modelo de administração e, “[...] com a mundialização do capital, na década de 1980, o toyotismo tornou-se a ideologia universal da produção sistêmica do capital”.(GIOVANI, 2001).
Sendo assim objetiva-se, através do presente texto, aprimorar conhecimentos acerca dos pressupostos desse modelo japonês de produção – toyotismo – analisando-os, para compreender sua influência no mundo do trabalho.
TOYOTISMO: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS
Nos anos 50, relata Wood Jr. (1992), o engenheiro japonês Eiji Toyoda passou alguns meses em Detroit conhecendo a indústria automobilística americana, sistema dirigido pela linha fordista de produção, onde o fluxo normal é produzir primeiro e vender depois quando já dispunham de grandes estoques. Toyoda ficou impressionado com as gigantescas fábricas, a quantidade de estoques, o tamanho dos espaços disponíveis nas fábricas e o alto número de funcionários. Para ele, naqueles moldes, seu país, arrasado por um período pós-guerra, não teria condições de desenvolver uma forma semelhante de produção.
Relatou isso quando escreveu à sede de sua empresa dizendo que ia ser necessário uma nova forma de organização do trabalho, mais flexível e que exigisse menor concentração de estoques, pois sabia que o Japão possuía um mercado pequeno, capital e matéria – prima escassos, “[...] a compra de tecnologia no exterior era impossível e a possibilidade de exportação era remota”.(WOOD JR., 1992).
Para conseguir competir então, nos grandes mercados, a Toyota precisaria modificar e simplificar o sistema da empresa americana Ford. Na procura de soluções para esse encaminhamento, Toyoda e seu especialista em produção Taichi Ohno, iniciaram um processo de desenvolvimento de mudanças na produção. Introduziram técnicas onde fosse possível alterar as máquinas rapidamente durante a produção, para ampliar a oferta e a variedade de produtos, pois para eles era onde se concentrava a maior fonte de lucro. Obtiveram excelentes resultados com essa idéia e ela passou a ser a essência do modelo japonês de produção.
O espaço para armazenamento da produção era outro obstáculo para os japoneses, por isso, as mercadorias deveriam ter giro rápido, e a eliminação de estoques, ainda que parecesse impossível, estava nos projetos de Toyoda. A partir de então, regras criteriosas foram incorporadas gradativamente à produção, caracterizando o que passou chamar toyotismo, (ou Ohnismo, devido aos nomes Toyoda e Ohno). Partiram do princípio de que qualquer elemento que não agregasse valor ao produto, deveria ser eliminado, pois era considerado desperdício e classificaram o desperdício em sete tipos principais: tempo que se perdia para consertos ou refugo, produção maior do que o necessário, ou antes, do tempo necessário, operações desnecessárias no processo de manufatura, transporte, estoque, movimento humano e espera.
A partir do princípio acima citado, planejou-se um modelo de produção composto por: automatização, just-in-time, trabalho em equipe, administração por estresse, flexibilização da mão-de-obra, gestão participativa, controle de qualidade e subcontratação. A seguir serão abordados os conceitos fundamentados em Gounet.
A automatização é considerada o primeiro elemento desse modelo. Trata-se da utilização de máquinas capazes de parar automaticamente quando surgem problemas. Assim o trabalhador que até então era treinado para desenvolver seu trabalho em uma única máquina pode se responsabilizar por várias, o que diminuiria a quantidade de trabalhadores necessários numa linha de montagem, onde a autora teve experiência de trabalho, como relata a seguir.
É uma fábrica de máquinas copiadoras e a tarefa que é atribuída à autora consiste em prender inúmeros fios, fixar quatro mil parafusos por dia (45 em cada máquina dependendo do modelo), além de fixar gavetas e laterais.[2] O tempo exigido para a realização da atividade é de quatro a cinco minutos dependendo do modelo. No interior da fábrica robôs transitam pelo imenso espaço levando os “esqueletos das máquinas” de um posto a outro. Um sensor faz com que ele pare no local devido. Também são eles que repõem as peças solicitadas, pelos operários, através de um painel eletrônico, “[...] por todos os lados sirenes piscam e os ruídos ensurdecedores da estrutura de metal em funcionamento misturam-se com a música sintética [...] A primeira impressão chega a lembrar um sofisticado parque de diversões, a segunda impressão sugere a imagem do inferno”. (OCADA, 2004, p. 172).
Um dos elementos de maior destaque dentro do modelo toyotista é o chamado just-in-time (na hora certa). Foi inserido, pela primeira vez, na Toyota japonesa, em meados da década de 70 por Taichii Ohno. Surgiu da necessidade de criar uma alternativa aos poucos espaços para armazenar estoques, sejam eles matérias-primas, peças intermediárias ao processo produtivo ou mercadorias já produzidas, e da escassez de recursos para manter a produção parada. Consiste em detectar a demanda e a produção de bens em função da necessidade específica, ao contrário do fordismo[3]. Assim, toda demanda tem que ser produzida após ter sido efetivada sua venda, mantendo um fluxo de produção contínuo. Para isso criam-se os sistemas visuais de informação, kanban[4], através deles é possível informar a quantidade de peças necessárias para o dia.
O trabalho em equipe é outra estratégia usada pela Toyota para racionalizar a utilização de mão-de-obra. A idéia consiste em agrupar os trabalhadores em equipes, com a orientação de um Rida (líder). Este trabalharia junto com os demais operários, com a função de coordenar o grupo e substituir qualquer um que venha faltar. Enquanto no fordismo cada trabalhador é responsável por uma parte da produção e após realizá-la passa adiante para que outro trabalhador realize a parte que lhe cabe, no toyotismo vemos eliminado esse tempo entre um trabalhador e outro, considerado “tempo morto” e que não agrega valor à produção, adequando-se a cadeia de montagem. Na cadeia de montagem quem se movimenta é o produto em fase de produção, através de robôs ou de esteiras, assim são eliminados muitos segundos que seriam gastos para que um trabalhador levasse o produto de um posto de trabalho a outro. Além disso, cada trabalhador deveria descobrir outros “tempos mortos” a fim de diminuir cada vez mais o tempo de produção de determinada peça.
[...] Dicho de outra forma, lo que el obrero realizaba em 60 segundos, a hora lo tiene que hacer em 50 segundos [...] Pero este tipo de racionalización alcanza límites cuando se eleva la producción. Una fábrica en los EEUU consiguió producir 100 coches por hora, lo que reducía las tareas a 36 segundos. Pero es mucho más duro racionalizar el trabajo, o sea encontrar segundos de tiempos inútiles, en 36 segundos que en 1 minuto o en un lapso de tiempo aun mas largo. Por eso Toyota define las tareas en cuadrilla. Esto significa que la racionalización no se hace sobre el minuto que trabaja el obrero en un coche, pero sobre los 10 minutos que la cuadrilla de diez hombres tienen para realizar las operaciones al coche. Es éste principio de racionalizacion que se encuentra a la base de la introducción del teamwork donde Toyota (GOUNET, 1998).
A racionalização é a fábrica mínima, ou seja, com efetivo mínimo. Ao reduzir o tempo de dez para nove minutos, sobrecarrega-se os trabalhadores e eliminam-se postos de trabalho. O objetivo não consiste então, em diminuir trabalho e sim, reduzir trabalhadores. O trabalho em equipe representa, na verdade, a pressão que cada trabalhador sofre para desempenhar sua função com qualidade, sob pena de ser rejeitado pelo grupo, ainda que neste grupo todos se encontrem nas mesmas condições, como se observa no relato da autora.
O trabalho consiste em produzir fechaduras para carros. Doze mulheres, brasileiras e japonesas, em pé, uma ao lado da outra, cada uma desenvolve uma parte da produção e é responsável pelo controle de qualidade dessa mesma parte. No final da linha, uma brasileira reexamina todas as peças e imediatamente comunica qualquer defeito dando um grito. Por exemplo, ao encontrar algum defeito na peça, em voz bem alta (até mesmo para que sua voz ultrapasse o barulho das máquinas) diz o nome da operária responsável pela parte defeituosa e completa dizendo: kizú (risco). Isso irrita as trabalhadoras pois, não raro, surgem defeitos que somente são visíveis aos olhos dela que parece sentir prazer em gritar o dia todo, e algumas vezes “coincide” de ser a mesma pessoa a ser chamada atenção o dia inteiro.
Gounet (1998) reafirma as condições de estresse em que são submetidos os trabalhadores, no modelo toyotista de produção, quando cita um exemplo sobre o funcionamento dos trabalhos em grupos.
De acordo com as vendas é estabelecido um objetivo de produção para cada dúzia de trabalhadores, para os quais Ohno disponibiliza apenas 90% dos recursos que ele deveria normalmente oferecer e desafia os operários a atingir a produção necessária. Estes, por sua vez, discutem entre si e descobrem maneiras de vencer o desafio. Porém, quando pensam ter vencido, Ohno retira novamente a porcentagem de recursos, e assim sucessivamente. “Isso para mostrar que se trata de um sistema permanente. Na Toyota, os trabalhadores chamam a isso de ‘sistema Oh! No!’ (do inglês Oh! Não!)”. Conhecendo o rigor desse sistema de produção,
[..].os trabalhadores vêm trabalhar doentes. No Japão, isso se desenvolve no quadro do trabalho em grupo: o ausente não é substituído e o time deve se desembaraçar sem ele [...] aquele que não se sente bem vem para a empresa ainda assim, para evitar sobrecarregar seus colegas. Em certos casos, esses últimos foram procurar o doente para trazê-lo para a cadeia de montagem. Essa cadeia de caça aos doentes é introduzida de forma geral na indústria automotiva mundial” (GOUNET, 2000).
Esse sistema foi vivenciado pela pesquisadora e além desse, muitos outros como por exemplo à gestão pelas lâmpadas. Coloridas e instaladas bem ao alto, na direção da cabeça dos trabalhadores,
[...] a gestão pelas lâmpadas permite à direção da empresa ver como se passa concretamente a produção nas oficinas [...] parecem as das sinaleiras: verde significa que tudo está bem na seção; laranja indica que há um problema de sobrecarga; vermelho obriga a parar a cadeia, porque os trabalhadores não podem mais segurar o ritmo. Poderia-se crer que, enquanto todos os departamentos estão no verde, a direção está satisfeita e que seu objetivo foi atingido. Mas não é assim. Em realidade, é preciso que as lâmpadas oscilem continuamente entre o verde e o laranja. Dessa forma, a direção está segura de que os trabalhadores estão ocupados ao máximo. (GOUNET2000, p.103).
Desta maneira os trabalhadores estão sempre sob pressão. O trabalho representa uma completa servidão. O operário já não dispõe de tempo para o lazer e para a vida familiar, pois o único tempo livre é utilizado para repouso e recuperação. Os acidentes de trabalho passam a ser constantes e verifica-se também um alto índice de suicídios. Nesse sentido Ocada (2004) coloca-nos o fato de que
A realidade social adquire o simples aspecto de relações sociais de compra e venda de uma força de trabalho destituída de qualquer forma de subjetividade e concebida como um corpo social assexuado, da mesma forma todas as motivações culturais e valorativas que orientam as condutas dos atores sociais são reduzidas ao determinismo de uma causalidade econômica.
Esse nível de estresse também decorre da necessidade dos trabalhadores estarem sempre preparados para produzir o que pede a demanda, uma vez que a produção é feita sob encomenda. Desta maneira devem adaptar-se imediatamente para a nova produção no decorrer do dia. Também é necessário que o trabalhador esteja disponível para incorporar à sua rotina de trabalho árdua e desgastante, muitas horas de trabalho, caso assim for necessário para suprir a demanda. A flexibilização da mão-de-obra passa a ser outro requisito essencial para o trabalhador inserido no sistema toyotista. É preciso ser polivalente para assumir qualquer posto que se faça necessário. Baseado neste princípio de multifuncionalidade é deflagrada nas últimas décadas a teoria das competências, onde o indivíduo precisa desenvolver uma série de capacidades para se inserir ou se manter no mercado de trabalho.
Para atingir os objetivos dento do padrão toyotista - estoque mínimo, controle de qualidade, eliminação de tempos “mortos”, just-in-time – é implantado um processo de qualificação da mão-de-obra através, da educação do povo, objetivando alcançar um de seus princípios fundamentais: a eliminação de desperdício. Para os japoneses a função da escola deveria ser de iniciar o indivíduo nestes princípios, sempre exigindo dele qualidade total. Isso surge na verdade, com a implantação do toyotismo, a partir da necessidade de utilização adequada da matéria-prima de elevado valor. É preciso um índice zero de desperdício para o sucesso da produção, ou seja, a lucratividade. Essa “preocupação” com a qualidade total fez o país desenvolver um produto de alto padrão de qualidade e se inserir no competitivo mercado dos países centrais.
Ainda com referência aos princípios subjacentes ao modelo japonês de produção temos a gestão participativa onde os trabalhadores são levados a se sentirem como participantes da empresa. Assumem um posto de liderança frente a um grupo (líderes coordenadores da linha de montagem, por exemplo) e, com a ilusão de se tornarem “gerentes”, passam a responder pela marcha da produção, ao mesmo tempo em que executam o processo de controle de qualidade. É uma sobrecarga de trabalho e responsabilidades, contudo aos olhos do trabalhador numa análise superficial, é sinal de valorização dentro da fábrica. Esse nível de “avanço” dentro da fábrica estimula a competitividade e a emulação – meritocracia - o que resulta em grande produtividade, pois todo trabalhador almeja atingir o referido avanço. Isso acaba provocando o individualismo e solapando o trabalho organizado. Assim a estratégia da gestão participativa traz consigo a tentativa, bem sucedida, de eliminação da ação sindical, como esclarece Antunes (1999, p. 16).
Vivem-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se a sua nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento manipulatório, próprio da sociabilidade moldada contemporaneamente pelo sistema produtor de mercadorias.
Obviamente, afirma Harvey (1989), a organização do trabalho necessita se desmantelar, pois, a acumulação flexível de capital representa um confronto direto com a rigidez fordista, se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho e não pode conviver com um sistema jurídico que regula rigidamente a exploração da força de trabalho humana, por legislação trabalhista.
Nesse contexto a subcontratação passa a representar uma necessidade e um recurso poderoso dentro do modelo japonês de produção. Para as funções essenciais dentro da fábrica a Toyota seleciona os trabalhadores efetivos e as demais funções são deixadas para o pessoal subcontratado. Para estes reserva-se salário mais baixo, carga horária maior, serviços desqualificados e nenhum vínculo empregatício ou sindical.
No Japão, segundo Sasaki (1999) quem mais se utiliza desse tipo de mão-de-obra, são as pequenas empresas, que recebem encomendas das grandes empresas montadoras e não dispõe de mão-de-obra pois, os japoneses, sobretudo os mais jovens, formados, que ingressam no mercado de trabalho, as recusam por não haver, nestas fábricas, perspectivas de ascensão profissional e pelas condições precárias a que são submetidos os trabalhadores. Sendo assim, “não conseguindo atrair os empregados japoneses, as pequenas empresas começaram a contar com os trabalhadores estrangeiros. A falta de mão-de-obra no Japão fez com que as empresas comecem, nesse momento, a clamar por modificações na política imigratória e a procurar trabalhadores fora do Japão”.(Sasaki, 1999).
Nesse momento há o aumento de estrangeiros ilegais no país o que passa a representar um sério problema às autoridades japonesas. Nesse sentido a política de imigração torna-se mais rigorosa dando maior abertura ao imigrante latino, principalmente brasileiro, pois, considera-se que, uma vez que é onde está localizada a maior colônia japonesa fora do Japão, será menor o choque cultural.
No Brasil, o final da década de 1980 e início de 1990 foi marcado pela massificação do movimento dekassegui[5]. A posse de Fernando Collor como presidente em 1990 juntamente com as medidas econômicas tomadas por sua equipe, provocaram uma grande instabilidade no país e, alavancaram a migração internacional.
É nesse contexto em que a autora chega ao Japão e vivencia, como operária subcontratada, o trabalho em linhas de produção de produtos automobilísticos e tecnológicos. Percebe-se rapidamente que a experiência na fábrica é um grande desafio e o problema é acrescido por questões como a comunicação, a alimentação e, principalmente a submissão às empreiteiras, empresas responsáveis pela (sub)contratação de mão-de-obra estrangeira.
Destes dois anos de experiência, foi possível analisar algumas questões referentes ao mundo do trabalho operário, focando o modelo japonês de produção sob a ótica do trabalhador.
A chegada já é muito traumática. Incluindo a autora são seis brasileiros chegando ao Japão pela primeira vez. São recepcionados no aeroporto de Nagoya. Após identificados pelo encarregado da empreiteira entram em um grande carro e começam uma viagem, rumo ao alojamento, na cidade de Toyohashi, que parece não ter fim. Depois de aproximadamente duas horas de viagem este encarregado fez uma parada, compra latas de café quente, incentiva um bate-papo informal e pede pra ver passaportes e canhotos de passagem, onde há a passagem de retorno ao Brasil. Com os documentos nas mãos revela que é preciso recolher os documentos. Sob pena de não serem aceitos, todos entregam.
Ao chegar deparam-se com uma construção aparentemente abandonada. As pessoas são divididas em grupos porém, os casais permanecem juntos num alojamento individual. No interior dos alojamentos encontram uma pequena geladeira em péssimo estado de conservação, uma pia com muitos insetos e um armário, para roupas, praticamente destruído. Pela janela avistam um terreno baldio também com sinais de abandono. O encarregado que os conduziu até ali entrega um pacote com dois futons (acolchoados), dois macurás (travesseiros) e dois edredons. Por esses materiais todos assinam vales no valor de 15 mil ienes cada um (na época somavam 150 reais aproximadamente). Também é oferecido um kit com utensílios de cozinha no valor de 21 mil ienes (aproximadamente 210 reais) o qual todos recusam. O encarregado despede-se e promete voltar durante a semana.
No dia seguinte, todos aproveitam para conversar e se conhecer. Há algumas pessoas que estão ali há uma semana e relatam aos demais que é costume da empreiteira hospedar os “novatos” neste alojamento para uma certa “pressão psicológica”, para que aceitem o primeiro emprego que surgir e não fiquem colocando obstáculos, pois, só a partir de efetivados no trabalho são transferidos para um “apto” (por pior que fosse seria sempre melhor que aquele lugar). Após três dias de espera o tantocha (nome dado ao encarregado da empreiteira) volta ao alojamento para a indicação de vagas recém surgidas[6]. Uns são levados na hora[7], outros ficam agendados para o dia seguinte e a ala feminina do grupo é submetida a um teste com trinta cálculos matemáticos, com a informação de que quem resolvesse todos os trinta cálculos em cinco minutos seria indicada para a vaga daquele dia.
A autora conseguiu resolver vinte e oito dos cálculos no tempo que foi estipulado e por isso foi levada a uma fábrica da Suzuki na cidade de Kosai para uma entrevista. Após uma sessão de perguntas sobre a vida profissional teve que refazer os cálculos na presença de um japonês, chefe de alguma coisa que não se lembra, o qual não desviava os olhos da atividade e soube, por intermédio do tantocha, que ele dizia que ela deveria reaprender a escrever os numerais 4 e 7, pois não estava de acordo com o sistema do Japão. Terminando a atividade ele mesmo conferiu os resultados e pareceu naquele momento que a vaga estava confirmada. Chamou uma funcionária e pediu que a levasse para provar o uniforme. Quando voltou o tantocha comunicou que a autora não havia sido aprovada porque a fábrica não aceitava secretárias, enfermeiras e professoras, pois, a função (trabalhar no setor de reposição de peças) exigia que se desse 15 mil passos por dia, e para a empresa se certificar que o funcionário estava dentro das normas era colocado um marcador na perna – na altura do tornozelo – e segundo eles, pelo porte físico, ela não conseguiria desenvolver a função.
No dia seguinte, foi indicada à outra vaga, desta vez uma fábrica que produzia fechaduras para carros da Mitsubishi. Ao chegar recebeu o uniforme e foi levada à linha de montagem. Não houve nenhum treinamento, apenas orientações de como realizar a tarefa. Durante os primeiros dias trabalhou muito preocupada em dar conta da produção exigida (950 peças por dia), as dificuldades eram grandes, pois, jamais havia visto ou executado tal função. Ao terceiro dia de trabalho, a tentativa para tentar conseguir acompanhar o ritmo das máquinas, derivou problemas de saúde o que obrigou a empreiteira a levá-la para o alojamento, sob o olhar reprovador do chefe e dos colegas de linha. Neste dia ficou sabendo que uma colega do alojamento havia tentado se matar, tão grande era o sofrimento pelo qual passava, pois além da adaptação estar sendo difícil, havia o agravante de estar no alojamento já por vários dias sem confirmação de trabalho. Esse fato perturbador fez com que a partir desse dia, durante os dois anos que esteve lá, a autora jamais faltasse ao trabalho, mesmo doente, pois estar na fábrica era menos enlouquecedor do que ficar no alojamento.
Foram necessários dez meses de árduo trabalho para conseguir pagar todas as dívidas contraídas com a empreiteira, resgatar os documentos e fugir do domínio da empreiteira. Através de conhecidos foi possível outra colocação com melhor remuneração e com maior probabilidade de horas extras em Suzuka-shi, Província de Mie-Ken. Lá ficaram as mulheres, onde havia demanda de mão-de-obra feminina e os homens foram para Kwana-shi onde demandava mão-de-obra masculina. Conseqüentemente os casais foram separados e como o trajeto de uma cidade à outra era extenso, só era possível fazê-lo uma vez por semana, e o faziam quando não havia shigotô (trabalho) aos domingos. Solidificar amizades também não era possível, devido à vida nômade que todos levavam e isso contribuía para aumentar o stress do cotidiano envolvendo a todos num processo de solidão crônica.
A fábrica em que foi levada para trabalhar nesse momento, produzia placas eletrônicas, os chamados kibans. Uma verdadeira maratona envolvia o ritual matinal. Às sete horas iniciávamos um trajeto de bicicleta de aproximadamente, quatro quilômetros até a fábrica. No primeiro vestiário trocávamos nossa roupa pelo primeiro uniforme, com exceção do calçado. Após atravessar o pátio chegávamos ao local onde era preciso trocar o calçado por um semelhante a um conga e, no vestiário seguinte trocava–se o primeiro uniforme pelo definitivo. Esse ritual era repetido na hora do almoço e antes de ir embora.
Num primeiro momento, nesta nova fábrica, a atividade solicitada era tão desqualificada que não era difícil sentir saudades da fábrica anterior. Finalmente, após um mês, houve a transferência para outro o setor, o de kensa (controle de qualidade). As peças eram dispostas num aparelho que através de uma tela de computador verificava-se sua perfeição ou seu defeito. A atividade era tão mecânica que apesar do entendimento da língua japonesa ser pouco e de informática menos ainda, a autora foi capaz de realizá-la sem maiores problemas.
A experiência como operária subcontratada tornou possível ver bem de perto que o a única diferença entre os trabalhadores, ainda que isso seja despercebido para muitos deles, são as mercadorias que produzem. Não fosse assim, não haveria diferença de uma fábrica para outra. Em todas que a autora teve oportunidade de trabalhar ou apenas conhecer, como era de se esperar, as atividades sempre seguiam a mesma linha, extremamente repetitivas e exaustivas, onde o trabalho se encontra totalmente alienado. “[...] Ao operário já não cabia pensar o seu trabalho, mas apenas reagir interpretativamente aos movimentos que o ritmo do processo de trabalho impunha ao seu corpo. O processo de trabalho não dependia da mediação de sua interpretação para que tivesse seqüência. Seu corpo fora transformado num instrumento dos movimentos automáticos da linha de produção”.(MARTINS, 1994).
Nesse sentido é possível concordar com Antunes (1999) quando enfatiza que não se pode atribuir ao toyotismo um caráter de novo modelo de organização e de produção, nem ao menos é possível considerá-lo como um avanço do sistema taylorista/fordista.
[...] a questão que nos parece mais pertinente é aquela que interroga em que medida a produção capitalista realizada pelo modelo toyotista se diferencia essencialmente ou não das várias formas existentes de fordismo. [...] a diminuição entre elaboração e execução, entre concepção e produção, que constantemente se atribui ao toyotismo, só é possível porque se realiza no universo estrito e rigorosamente concebido do sistema produtor de mercadorias, do processo de criação e valorização do capital. (p. 33).
A partir dessa breve análise é possível concluir que o toyotismo representou, na verdade, uma grande ofensiva aos trabalhadores, uma vez que se instalou como um processo apenas preocupado em resgatar o domínio e o poder de acumulação do capital. Evidenciando assim que, ainda vai longe esse modelo de sociedade composta por exploradores e explorados.

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